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A nova cara do câncer infantil

Com mais qualidade de vida, ele costuma ser curado em 70% das crianças e adolescentes. Um retrato da doença no Brasil
CRISTIANE SEGATTO
RICARDO CORRÊA
ENERGIA
Marcos, de 3 anos, tem leucemia e faz quimioterapia toda semana. Agitado e brincalhão, sai das sessões correndo pelo hospital

Marcos Gregório Siciliano Maragno é o garoto sapeca das fotos aí de cima. Essas fotos, o registro de uma infância bem cuidada e cheia de energia, poderiam ilustrar um anúncio de cereal matinal. Poderiam, mas Marcos está aqui por outra razão. Ele tem câncer. Mais precisamente leucemia linfóide aguda – a produção descontrolada de células imaturas que deveriam dar origem aos componentes do sangue. É o tipo de câncer mais comum na infância. Marcos faz quimioterapia toda semana. E sai rindo e correndo pelas salas do hospital. Só é interrompido pelas enfermeiras, que fazem fila para ganhar beijos. Conheci Marcos uma hora depois do fim de uma dessas sessões. Na recepção do Hospital do Câncer A.C. Camargo, em São Paulo, pacientes adultos e familiares cansados tentavam achar a posição menos incômoda afundados nos sofás. Movendo apenas os olhos, seguiam as demonstrações de disposição do menino. Ele flexionava e esticava as pernas; dobrava as costas para a frente, enquanto a avó, Cristina, tentava segurá-lo. Naquele tatibitate dos 3 anos, ele disse:

– Solta, vó. Qué plantá bananera.

Marcos é um símbolo do otimismo que se pode extrair do primeiro levantamento sobre a situação do câncer em crianças e adolescentes no Brasil, divulgado na semana passada pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca). A boa condição física do garoto é fruto de uma conjunção de fatores que fizeram toda diferença.

  • O diagnóstico foi muito precoce. No Natal do ano passado, surgiram manchas roxas nas pernas de Marcos. Na manhã seguinte, ele acordou com febre e a mãe, a administradora de empresas Rafaela Siciliano, de 29 anos, decidiu procurar o médico.
  • O pediatra desconfiou de leucemia. Pediu um exame de sangue completo e o resultado ficou pronto no mesmo dia. Com os exames nas mãos, Rafaela foi bater na casa do pediatra. Alguns dias depois, a avaliação da medula óssea (mielograma) confirmou o diagnóstico.
  • A família tem um bom plano de saúde. Ele permitiu a internação rápida no A.C. Camargo, um dos centros com maior experiência em pesquisa e tratamento no país. Marcos passou vários dias na UTI e, em janeiro, começou a fazer quimioterapia diariamente. No início, as doses eram elevadas e o mal-estar era inevitável. Sentia tonturas, vômitos, não tinha apetite. Perdeu os cabelos e, com a imunidade baixa, pegou pneumonia duas vezes.
  • A mãe não descuidou do tratamento. Rafaela afastou-se do trabalho durante 50 dias para ficar com o filho no hospital. O tempo todo teve o apoio da mãe, Cristina. Rafaela é o tipo de mãe que recita cada um dos remédios e dos termos médicos que aparecem no prontuário do filho. Quer saber tudo e cerca o filho de cuidados por conta de sua baixa imunidade. “Ele ainda não vai a festinhas de criança nem pode viajar”, diz. Em setembro, Marcos concluiu a etapa mais difícil do tratamento. Agora está na fase de manutenção. Recebe quimioterapia injetável toda semana no hospital. Diariamente, em casa, toma outro quimioterápico oral.
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DOÇURA
Laura, de 5 anos, já terminou o tratamento de leucemia. Do hospital, ela se lembra dos origamis que a mãe fazia para passar o tempo

Essa rotina deverá ser seguida rigorosamente até o tratamento completar dois anos. “Isso é fundamental para aumentar as chances de cura”, diz o oncopediatra Gustavo Ribeiro Neves, do A.C. Camargo. “Muitas famílias relaxam nessa fase de manutenção porque o filho fica tão bem-disposto que parece já estar curado. Esquecem de dar os remédios e a doença volta”.

Uma criança é considerada curada se os exames não mostrarem nenhum sinal da doença cinco anos depois do final do tratamento. Dar essa boa notícia às famílias tornou-se uma das experiências mais corriqueiras na vida dos médicos. Nenhuma outra área da oncologia acumulou vitórias tão espetaculares nas últimas décadas quanto a que lida com o câncer infanto-juvenil.

Em 1970, cerca de 75% das crianças com leucemia morriam nos Estados Unidos. O insucesso era a regra mesmo entre as famílias com condições financeiras de buscar o melhor tratamento possível. Hoje, 73% sobrevivem. Nos centros brasileiros especializados no tratamento do câncer infantil, os números são semelhantes. Nos serviços especializados em câncer infantil no Recife, o total de pacientes vivos cinco anos após o diagnóstico cresceu de 32% (1980 a 1989) para 63% (1997 a 2002). No A.C. Camargo, em São Paulo, a sobrevida também melhorou. Foi de 13% (1975 a 1979) para 55% (1995 a 1999). Nesse grupo foram incluídos todos os casos admitidos no hospital, inclusive os já tratados que apresentavam recorrência da doença.

O câncer, a principal causa de morte por doença na população entre 5 e 18 anos, é um evento raro. Corresponde a menos de 3% de todos os casos da doença registrados no país. Em 2008, o número de casos novos em crianças e adolescentes deve ficar por volta de 10 mil. É um câncer cheio de peculiaridades. Sob a lente do microscópio, os tumores infantis têm a aparência de tecidos fetais. Um tumor de rim, por exemplo, é composto de células embrionárias de rim. Antes que elas tivessem tido a chance de se desenvolver e se transformar numa célula renal com uma função específica, viraram tumor.

Fonte :revistaepoca.globo.com


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